terça-feira, 22 de abril de 2014

Charles Bukowski - O jeito que isso é

 E. F.

o inferno está lotado ainda


você sempre pensa que  você está
sozinho.

e você nunca pode dizer
a ninguém que
você está no inferno
ou eles vão pensar
que você está
louco.

mas ser louco é
estar no inferno
e ser sensato
também.

aqueles que escapam do inferno
nunca falam sobre
isso
e nada mais
incomoda eles
depois
disso.
Quero dizer, coisas como
falta de uma refeição,
ir para a cadeia,
bater seu carro
ou
mesmo
morrer.

quando você perguntar-lhes,
"como as coisas estão
indo? "
eles vão responder: "bem,
muito bem ... "

uma vez que você foi para o inferno
e voltou
é o bastante, é a
mais silenciosa celebração
conhecida.

 
uma vez que você foi para o inferno
e voltou,
você não olha para trás
quando o chão
range.
o sol está no alto a
meia-noite
 
e coisas como
os olhos de ratos
ou um velho pneu
em um terreno baldio
pode torná-lo
feliz.
 
uma vez que você foi para o inferno
e voltou.

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Bob Dylan - Tomorrow Is A Long Time

 E. F.


If today was not an endless highway
If tonight was not an endless trail
If tomorrow wasn't such a long time
Then lonesome would mean nothing to me at all

Yes and only if my own true love was waiting
If I could hear her heart softly pounding
If only she was lying by me
Then I'd lie in my bed once again

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Crônica: Não ameis à distância - Rubem Braga

Narração de um escritor lembrado como um dos melhores cronistas brasileiros. 

Em um cidade há um milhão e meio de pessoas, em outra há outros milhões; e as cidades são tão longe uma da outra que nesta é verão quando naquela é inverno. Em cada uma dessas cidades há uma pessoa; e essas pessoas tão distantes acaso pensareis que podem cultivar em segredo, como plantinha de estufa, um amor à distância?

Andam em ruas tão diferentes e passam o dia falando línguas diversas; cada uma tem em torno de si uma presença constante e inumerável de olhos, vozes, notícias. Não se telefonam mais; é tão caro e demorado e tão ruim e além disso, que se diriam? Escrevem-se. Mas uma carta leva dias para chegar; ainda que venha vibrando, cálida, cheia de sentimento, quem sabe se no momento em que é lida já não poderia ter sido escrita? A carta não diz o que a outra pessoa está sentindo, diz o que sentiu na semana passada… e as semanas passam de maneira assustadora, os domingos se precipitam mal começam as noites de sábado, as segundas retornam com veemência gritando — “outra semana!”, e as quartas já têm um gosto de sexta, e o abril de dejá-hoje é mudado em agosto…

Sim, há uma frase na carta cheia de calor, cheia de luz; mas a vida presente é traiçoeira e os astrônomos não dizem que muita vez ficamos como patetas a ver uma linda estrela jurando pela sua existência — e no entanto há séculos ela se apagou na escuridão do caos, sua luz é que custou a fazer a viagem? Direi que não importa a estrela em si mesma, e sim a luz que ela nos manda; e eu vos direi: amai para entendê-las!

Ao que ama o que lhe importa não é a luz nem o som, é a própria,pessoa amada mesma, o seu vero cabelo, e o vero pêlo, o osso de seu joelho, sua terna e úmida presença carnal, o imediato calor; é o de hoje, o agora, o aqui — e isso não há.

Então a outra pessoa vira retratinho no bolso, borboleta perdida no ar, brisa que a testa recebe na esquina, tudo o que for eco, sombra, imagem, um pequeno fantasma, e nada mais. E a vida de todo dia vai gastando insensivelmente a outra pessoa, hoje lhe tira um modesto fio de cabelo, amanhã apenas passa a unha de leve fazendo um traço branco na sua coxa queimada pelo sol, de súbito a outra pessoa entra em fading um sábado inteiro, está-se gastando, perdendo seu poder
emissor à distância.

Cuidai amar uma pessoa, e ao fim vosso amor é um maço de cartas e fotografias no fundo de uma gaveta que se abre cada vez menos… Não ameis à distância, não ameis, não ameis!

Bilhete — Mario Quintana




"Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda." 

domingo, 13 de abril de 2014

Poeminha lusitano de Miguel de Torga

Miguel Torga, pseudônimo de Adolfo Correia da Rocha, foi um dos mais influentes poetas e escritores portugueses do século XX. Destacou-se como poeta, contista e memorialista e escreveu também romances..
L.J


Quase um poema de amor


Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor.
E é o que eu sei fazer com mais delicadeza!
A nossa natureza
Lusitana
Tem essa humana
Graça
Feiticeira
De tornar de cristal
A mais sentimental
E baça
Bebedeira.

Mas ou seja que vou envelhecendo
E ninguém me deseje apaixonado,
Ou que a antiga paixão
Me mantenha calado
O coração
Num íntimo pudor,
 Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Namorados




O rapaz chegou-se para junto da moça e disse:

-Antônia, ainda não me acostumei com o seu corpo, com sua cara.A moça olhou de lado e esperou.

-Você não sabe quando a gente é criança e de repente vê uma lagarta listrada?

A moça se lembrava:

-A gente fica olhando...

A meninice brincou de novo nos olhos dela.

O rapaz prosseguiu com muita doçura:

-Antônia, você parece uma lagarta listrada.A moça arregalou os olhos, fez exclamações.
O rapaz concluiu:
-Antônia, você é engraçada! Você parece louca.

(Manuel Bandeira)

Charles Baudelaire - Conversa e o Desejo de Pintar

E. F.
Nascimento: 09.04.1821
Falecimento: 31.08.1967


Hoje, dia nove de abril, comemora-se o aniversario de nascimento do poeta Charles Baudelaire. Em sua homenagem e para nosso deleite deixo aqui o poema Conversa do livro Flores do Mal e O Desejo de Pintar do livro Pequenos Poemas em Prosa.

Conversa

És como um céu de outono, róseo e luminoso!
Mas a tristeza em mim é qual o mar que avança
E deixa, ao refluir, sobre meu lábio umbroso
O amargo travo de uma cáustica lembrança.

- Sobre meu peito corre inútil a tua mão;
O que ela toca, amiga, é um sítio devastado
Pelas garras e os dentes das mulheres. Não
Busques meu coração, por elas devorado.

Ele é um palácio que a balbúrdia fez sombrio;
Ali se bebe e mata, ali se brinda ao duelo!
- Nada um perfume em torno de teu colo esguio!...

Assim o queres, ó Beleza, atroz flagelo!
Com teus olhos de fogo, acesos como festas,
Calcina o que escapou à última das bestas!

O Desejo De Pintar

Infeliz, talvez, seja o homem, mas feliz é o artista a quem o desejo dilacera!
Fico louco de vontade de pintar aquela que me aparece tão raramente e foge tão depressa quanto uma coisa bela, inesquecível, atrás do viajante levado pela noite. E já faz tempo que ela desapareceu!
Ela é bela e, mais que bela, é surpreendente. Nela o negror é abundante: e tudo o que ela inspira é noturno e profundo. Seus olhos são duas cavernas onde cintila, vagamente, o mistério, e seu olhar ilumina como um relâmpago; é uma explosão nas trevas.
Eu a Compararia a um sol negro, se se pudesse conceber um astro negro vertendo luz e felicidade. Mas ela faz mais facilmente pensar na lua, que, sem dúvida, a marcou com sua terrível influência; não a lua branca dos idílios, que parece uma fria noiva, mas a lua sinistra e embriagada, suspensa ao fundo duma noite tempestuosa, empurrada pelas nuvens que correm; não a lua pacífica e discreta que visita o sono dos homens puros; mas a lua arrancada do céu, vencida e revoltada, que as Feiticeiras tessalianas constrangem duramente a dançar sobre a relva aterrorizada!
Em sua pequena fronte habitam a tenaz vontade e o amor à presa. Entretanto, sob esse aspecto inquietante, onde as narinas móveis aspiram o desconhecido e o impossível, brilha, com inexprimível graça, o riso de uma grande boca vermelha e branca e deliciosa que faz sonhar o milagre de uma soberba flor que desabrocha em um terreno vulcânico.
Há mulheres que inspiram o desejo de vencê-las e de divertir-se com elas, mas essa dá vontade de morrer lentamente sob seu olhar.

pdf de Flores do mal: http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&cad=rja&uact=8&ved=0CCoQFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww.projetovemser.com.br%2Fblog%2Fwp-includes%2Fdownloads%2FAs%2520%2520Flores%2520do%2520Mal%2520-%2520Charles%2520Baudelaire.pdf&ei=gsVFU_fgG8uh0gG0jIDgCg&usg=AFQjCNH3XTwYUCvLdsM_unOoxVAT0HJY7Q&bvm=bv.64507335,d.dmQ

site de Pequenos Poemas em Prosa:  http://pequenospoemasemprosa.blogspot.com.br/2011/01/o-desejo-de-pintar.html